Mais ou menos nessa altura, fui com a então inseparável namorada jantar a Trastevere. Como o nosso Corrado estava fechado, fomos a outro tasco nas redondezas. [nota: a trattoria da Corrado é um dos sítios mais genuínos e baratos para comer em Roma, no meio do mar de restaurantes foleiros para a turistada em Trastevere; só há três pratos: amatriciana (massa com tomate, bacon e queijo de ovelha e que tem que se comer com um guardanapo a proteger toda a parte frontal do corpo), spezzatino (estufado de carne com pimentos) e frango com queijo].
Estávamo-nos a deliciar com umas bolinhas de mozzarella fritas, quando começámos a discutir forte e feio sobre as Universidades públicas e privadas. Dizia eu (mal adivinhando a indigestão que me iria provocar) que era uma tristeza que em Portugal as universidades públicas sejam em geral as melhores, tendo como referência, claro, a nossa de arquitectura. A isto ela contrapôs que não, que isso é que estava bem porque assim toda a gente tem acesso a um ensino de qualidade, e que isso era um sinal de avanço do país.
Ora, aquilo que eu queria dizer (e que na altura não soube explicar, porque acabámos os dois aos gritos no restaurante – depois saímos e uns beijinhos resolveram a questão) é que o problema não é as públicas serem melhores, mas sim as privadas serem tão más, e funcionarem regra geral como solução de recurso para aqueles que não entram para a pública. Isto diz muito da cultura empreendedora do nosso país – que é zero ou quase. Não há (e falo de arquitectura, mas certamente isto aplica-se a tantos cursos) uma Universidade que queira ganhar dinheiro através da excelência e preparação para o mundo do trabalho. Em Roma, quem tem dinheiro põe os filhos a estudar na LUISS, uma privada, em que quem acaba recebe imediatamente propostas de trabalho em empresas. O mesmo na LSE em Londres. Claro está que não têm arquitectura, mas não se perderia nada se o nosso curso funcionasse um pouco mais como economia. Quanto a mim a FAUP podia ser perfeitamente uma escola privada, porque, mesmo disfarçadamente, tem uma orientação estética e ideológica fortes e uma preparação de excelência - apesar de carcomida pelas dezenas de tachos que se acumulam no sector docente. Estes, num regime privado em que tem que se ganhar dinheiro, seriam substituídos por quadros competentes...
E agora a questão central – mas e então assim quem não tem dinheiro não pode usufruir desse ensino de qualidade – quanto a mim é para isso que serve o Estado (vd post anterior), precisamente para garantir que tem tenha estudado mas não tenha culpa de ter pais remediados, possa estudar numa privada. Ao mesmo tempo, o Estado gasta menos recursos com as Universidades, e pode dar bolsas decentes a quem precisa. E se há muita gente que precisa de um bolsa decente, mais ainda o nosso pobre Estado precisa de gastar menos recursos.
7 comentários:
Ora tendo em conta que nao ha mercado para o neoclassico em Portugal, tu terias que ir estudar para o estrangeiro pois duvido que alguma instituicao-privada-sem-corruptos-orientada-para-o-pilim te deixasse terminar o curso.
Parece-me no minimo inocente essa confianca cega no facto da competicao trazer qualidade so por si ....
hey! long time no see... sinceramente estou-me nas tintas para o neocla'ssico (que até tem mercado em Portugal, mas pronto). E a competiçao por si nao traz obrigatoriamente qualidade, mas ajuda.
Talvez o único transtorno seja mesmo a transferência unilateral de verbas no sentido Estado- Faculdade privada. Uma redistribuição desse género tenderia a potenciar mais "jobs for the boys", criação de tachos e sacos azuis.
A solução actual não é a mais eficiente, concordo contigo, porque a produtividade não é uma condição para trabalhar para o estado, antes a reputação; mas a manutenção da equidade e a redistribuição tb é uma função do Estado. A solução passa por melhorar a instituição, não romper para a privatização.
Senão caímos na mesma solução que foi adoptada no caso das intervenções cirúrgicas em Portugal, que na tentativa de amenizar o tamanho das listas de espera para essas operações, resolveu atribuir às clínicas privadas uma fatia desse bolo. Meanwhile, in the batcave, as listas não mingaram, as clínicas privadas receberam pacientes que não esperavam (entrada de riqueza para esses jovens)e certamente que alguns favores foram distribuídos por aí...
A concorrência beneficia o consumidor e o bem-estar... Bullshit, teoria clássica que assenta em pressupostos irrealistas... o autismo da ciência!
é preciso é por o pessoal em sentido!Quando não existe risco de despedimento e a progressão na carreira é automática, o trabalho só está dependente da vontade da pessoa... e não se pode ter um Estado que funciona à custa de malta que "quer" trabalhar! Porque o dia que eu mais gosto é o dia de S.receber.
Um pouco Cassete Carvalhas este discurso, não?
Aceito parcialmente os teus argumentos. A concorrência, especificamente na área da arquitectura, é algo muito positivo: de facto, as universidades privadas deveriam propor alguma coisa diferente, uma orientação e um programa específicos que pudessem constituir uma opção à FAUP, em vez de ficarem com a malta Sub-17,9 valores!
De qualquer das formas, isso não seria nunca uma desculpa para o Estado não garantir a excelência dos seus serviços - senão para que raio existe ele? Só nos lembrávamos da sua existência no mês do IRS?...
Abraço
ernesto:
acho que nao percebi muito bem o teu discurso... de qualquer maneira é precisamente a 'redistribuiçao' que acho que o Estado nao deve fazer. E essa ideia de 'por o pessoal em sentido' parece mais do cassete Mussolini que do Carvalhas! o que é preciso é criar mecanismos para que o Estado nao crie entraves a quem produz riqueza. Alias, diria mesmo, no caso portugues o que faltava era mesmo era ELIMINAR tantos mecanismos existentes!
a redistribuição tem características de bem público; se não for o estado a assegurar essa função, ninguém o fará, visto que a redistribuição é não rival, e não exclusivel pelo preço (por definição) e logo não será distribuído pelos privados.
Qt a pôr as pessoas em sentido, não o referi na tentativa de aglomerar o poder numa única pessoa, mas no sentido de despertar uma moral produtiva no indivíduo; em democracia tb é possível orientar valores.
esse mecanismo de criação de riqueza deve ser pró- cíclico, e logo, qd a conjuntura permitir. Neste momento o problema é outro, é o da nossa incompetência enquanto políticos e da competência de outros políticos, os europeus.
quanto a mussolini...má interpretação.
a redistribuição nasce da necessidade de equidade. infelizmente, a opção mais eficiente não cumpre geralmente esse aspecto.
Abraço
Chamaram-me de tanta coisa...
=(
Sub 17,9? fogo...
E agora a sério, diz lá o que pensas da ESAP?
(e depois falamos...hum...)
;)
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